Um reality show para escritores
Um programa italiano polêmico pretende ser o American Idol da literatura
Post original: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/danilo-venticinque/noticia/2013/11/um-breality-showb-para-escritores.html
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Quatro romancistas estreantes sentam-se num auditório futurista em frente a seus computadores. Um cronômetro gigante acima de suas cabeças mostra que eles têm 30 minutos para escrever um texto de ficção sobre um tema que acaba de ser apresentado. Telas enormes exibem em tempo real cada palavra que eles digitam, enquanto três autores consagrados observam tudo e conversam descontraidamente.
A cena parece ter saído dos pesadelos de um aspirante a escritor. Mas, ao menos na Itália, é uma realidade. Acaba de estrear por lá o reality show Masterpiece, criado pelo canal italiano Rai 3 em parceria com a produtora FremantleMedia, do American Idol. No programa, dezenas de candidatos disputam um contrato para publicar um romance de estreia pela Bompiani, uma das editoras mais tradicionais do país. Além de escrever diante das câmeras e sob pressão do tempo, o vencedor deve ser capaz de cumprir outras tarefas importantes para um futuro best-seller, como declamar trechos de seus livros e abordar a diretora de uma grande editora no elevador para convencê-la a ler seus originais. Ao final de cada episódio, um finalista é selecionado. Escritores italianos de sucesso dão dicas para escrever melhor durante os créditos finais.
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Antes mesmo de sua estreia, o programa já causava polêmica. Seus críticos o acusavam de vulgarizar a literatura. A superexposição dos candidatos nas provas seria um insulto ao ato de criação literária, lenta e solitária por natureza. Críticas em jornais afirmaram que escritores reclusos como Kafka jamais participariam de algo do tipo. Sobrou até para o nome do programa, Masterpiece (algo como “obra-prima”). Se a ideia era valorizar a literatura italiana, porque adotar um anglicismo como nome do programa? E, afinal, que espécie de obra-prima da literatura surgiria de um reality show?
As críticas duras não impediram 5 mil candidatos a autores de mandar rascunhos de seus romances de estreia em busca de uma vaga no programa. Como todos os participantes de reality shows, podem ser acusados de exibicionismo e busca da fama a qualquer preço. Como em qualquer crítica a programas do gênero, a acusação contém um pouco de verdade e muita má vontade. Há reality shows para todos: de supermodelos a chefs mirins australianos. Por que não um para escritores? Na pior das hipóteses, o programa será um fracasso e a Rai perderá alguns milhões. Não há motivo para histeria: legado de Kafka e outros autores reclusos não será manchado só porque meia dúzia de italianos resolveram fazer um American Idol literário. Na melhor das hipóteses, o programa ajudará a popularizar a literatura e consagrará um novo best-seller. A fórmula correrá o risco de ir parar em outros países em que reality shows são uma febre, como os Estados Unidos e o Brasil. Por aqui, talvez Masterpiece tenha companhia. Uma produtora carioca já começou a gravar um reality show sobre a rotina dos escritores Raphael Draccon e Carolina Munhóz.
Os resultados do Masterpiece, por enquanto, são animadores. Mais de 700 mil espectadores sintonizaram o programa em sua estreia – cerca de 5% dos televisores ligados na Itália. É uma exposição que muitos escritores consagrados jamais atingirão em toda sua vida. E a audiência deve crescer não só entre amantes da literatura, mas também entre fãs de reality shows. Masterpiece tem todos os clichês do gênero. Acompanhei o primeiro episódio e consegui me divertir com ele apesar de entender pouquíssimas palavras em italiano. Há momentos de drama, emoção e suspense. Um jurado rasga as páginas de um original na frente do escritor e vocifera, comparando seu texto a um aluno do ginásio: “Não é o padrão que esperamos!” Uma convidada faz um longo discurso antes de votar num finalista. A câmera dá um close nos olhos marejados de uma jurada enquanto uma escritora declama seu texto. Há até intrigas de bastidores. Um candidato diz para a câmera que o estilo da outra concorrente é meloso. Ela reage e diz que a prosa do adversário é infantil. É impossível não eleger um favorito e torcer para que ele seja escolhido no final. O vencedor publicará seu romance com uma tiragem inicial de 100 mil exemplares. Uma marca invejável, num país em que a venda de livros está em queda.
“A Itália é um país em que as pessoas leem cada vez menos”, diz o jurado Giancarlo de Cataldo. “O livro está morrendo, e precisamos fazer tudo o que pudermos para salvá-lo. Até mesmo um programa de talentos.” Um reality show, quem diria, pode ser a esperança da literatura. Nem o mais delirante autor de ficção científica conseguiria imaginar esse futuro.